Archive for 2011

Seção Poema — Você

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011 § 4

Você

Apareceu do nada,
Do pote,
Duetos.

Apareceu do nada,
Apareceu,
Você.

(Wesley Rezende)

Seção Poema — Sono de Urso

quarta-feira, 23 de novembro de 2011 § 2

Sono de Urso

Após o nascer do sol de engrenagem,
a vida sem tempo aniquila os ares:
o fôlego de ideias se exime dos males,
as águas dos abismos fogem da paisagem.

A vida remota remonta as barbáries;
o tempo escasso sugere superficialidades.
O ritmo insano de regime estatutário
abole os tiranos de más publicidades.

O tempo sem vida na vida sem tempo
acaba com os medos, amores e risos:
poetas não escrevem, o falcão voa lento.
As mortes fora de tempo ironizam...

(Wesley Rezende)

Seção Poema — Brincadeira de Criança

segunda-feira, 21 de novembro de 2011 § 0

Brincadeira de Criança

As crianças, desde cedo,
Trabalhavam duro na roça.
Na hora do folguedo
Reuniam-se na palhoça.

Dali partiam sorridentes,
Todas com forquilhas na mão;
Em busca de serpentes,
Para prendê-las ao chão.


(Wesley Rezende) 

Seção Poema — Deposto

sexta-feira, 18 de novembro de 2011 § 0

Deposto

Posto está a ousadia
do dia-a-dia;
não há nada que contraria
a vontade da natureza.

Põe-se o sol,
pois a luz
por mentes

é esquecida.

Dívidas de amor,
por causa de todo o amor do mundo,
são proteladas.

Posto está a tirania,
dia a dia,
enquanto a ousadia de se amar
estiver esquecida.


(Wesley Rezende)

Seção Poema — Cem

quinta-feira, 13 de outubro de 2011 § 0

Cem

Sentei à beira de um rio vermelho
Vi a vida passar sem nenhum segredo

Sem sonhos
Sem medos
Cem ideias

Centopeias tentavam sequestrar-me a realidade
Sentinelas zumbiam racionalidades incômodas

Sentimentos
Sensabores
Centésimos

(Wesley Rezende)

Dístico — Melaço

quarta-feira, 12 de outubro de 2011 § 0

Melaço

Meça nessa mesma mesa mesclada
Meias medidas de mensagens melódicas.

Wesley Rezende

Seção Poema — Dois erros

domingo, 9 de outubro de 2011 § 2

Dois erros

Construí, com o que havia de sublime
numa montanha de ideias mal compreendidas,
duas páginas de entreterimento
para quem venera formalidades.

Mas o reconhecimento do meu trabalho
sofreu defazagem de dezesseis vírgula
seis, seis, seis... por cento.

Esses dois erros justificaram
as várias mediocridades de quem
nunca irá compreender o valor da liberdade.

Wesley Rezende

Seção Poema — Circo da Vida

terça-feira, 4 de outubro de 2011 § 4

Circo da Vida

Vendo a vida bem pequena
Vendo a morte bem serena
Vendo sonhos em arenas
Vendo emas e hienas

Wesley Rezende

As Crônicas de Little Ant: Uma Jornada em Busca de Liberdade — Texto Completo

segunda-feira, 3 de outubro de 2011 § 0

            Para ler, ininterruptamente, clique neste link referente ao texto integral no Google Docs (não é necessário fazer login).

As Crônicas de Little Ant: Uma Jornada em Busca de Liberdade — Parte Final

§ 0

– Straw! Você as vê? Straw! Você as vê?! – Little Ant repetia compulsivamente.
– Agora! – gritou Straw, assinalando o momento do ataque para as formigas plumosas.
Little Ant parou. Ela ficou confusa por causa do grito.
Mas as formigas plumosas não tiveram atitude alguma. Straw percebeu que elas olhavam fixamente num foco acima dele. Quando ele, também, direcionou seu olhar para esse foco, percebeu que havia um marimbondo amarelo pairando, tendo-o na mira.  Era um mercenário contratado pela abelha rainha, tinha um único objetivo: vingança.
O marimbondo se arremessou em direção a Straw. O percevejo imitou a ação, mas em direção a Little Ant. Ele imaginava que o tamanho dela era suficiente para espantar o predador. Mas não houve escapatória, ambos foram capturados pelo marimbondo, que partiu, com eles, num voo insano.
Straw entrou em pânico, mas Little Ant não sentiu medo; ela estava fascinada com seu primeiro voo.
No desespero, Straw furou uma das pernas do marimbondo com seu estilete, o que o fez, inevitavelmente, soltar Little Ant. Ainda sendo o bastante, o mercenário prosseguiu sua viagem apenas com Straw...
Little Ant caiu num descampado, e ficou desacordada por algum tempo. Enquanto isso, ela tinha alucinações com a imagem de zebras voadoras.
Borboletas pousaram sobre Little Ant e, cuidadosamente, lamberam o mel de suas asas. Quando acordou, ela viu milhares e milhares de borboletas zebradas formando um nevoeiro no céu.
– Vocês podem me ensinar a voar? – Little Ant implorou, num último suspiro de esperança.
Daquela multidão, uma voz lhe dirigiu:
– Bata as asas!
Delicadamente, Little Ant experimentou movimentar as asas, e percebeu que elas já não estavam presas como antigamente. O ritmo de suas batidas aumentou e, naturalmente, ela conseguiu alçar voo.

(Wesley Rezende)

As Crônicas de Little Ant: Uma Jornada em Busca de Liberdade — Parte VI

domingo, 2 de outubro de 2011 § 0

Finalmente chegaram aos campos, mas não encontraram nenhuma zebra. Enquanto Little Ant chorava, meio afastada, à beira de uma lagoa, Straw partiu em busca de um comparsa para ajudá-lo a cortar as asas de mel. Ele encontrou uma dupla de formigas plumosas, com beleza capaz de eliminar qualquer suspeita. Elas estavam cortando uma folha espessa, aparentavam ser perfeitas para o serviço. Havendo combinado repartir a iguaria e marcado outro encontro para ajustarem os detalhes do bote, Straw retornou para Little Ant.
Ele a encontrou conversando com um percevejo d’ água, que havia se compadecido com o choro dela.
– Eu tenho que ir embora, mas nos encontramos na festa. Não falte, você precisa se distrair um pouco – disse o percevejo d’ água, despedindo-se.
– Quem era? Festa? – Straw indagou.
– Acabei de conhecê-lo. Vamos a uma festa, e é bom partirmos agora, porque andando chegarei lá já no início.
Após conversar um pouco mais com Little Ant, Straw alçou voo dizendo que iria ver se já estavam chegando, no entanto, ele foi encontrar-se com as formigas plumosas para informar-lhes o local da festa.
– Little Ant, já estamos chegando! – disse Straw, após retornar.
O salão da festa era um enorme oco de uma árvore. Os anfitriões eram insetos xilófagos, que sediavam no local uma associação.  Havia comida de diversas naturezas, exceto mel. Mas alguns cupins contavam alegremente como tiveram sorte em encontrar mel dentro de um graveto.
Irritado com essa história, Straw apressou-se em por seu plano em prática.
– Little Ant, eu ouvi uma conversa sobre algumas zebras que estão aqui por perto – Straw mentiu.
Little começou a correr sem direção. Mas estava confiante como se conhecesse todos os caminhos dos labirintos da natureza. Straw a acompanhava, voando logo acima dela.

(Wesley Rezende)

As Crônicas de Little Ant: Uma Jornada em Busca de Liberdade — Parte V

sábado, 1 de outubro de 2011 § 2

– Contem-me algo interessante! – disse-lhes a rainha, quando finalmente foram introduzidos no ambiente.
– Vou declarar os mistérios das zebras voadoras, e todos vocês ficarão perplexos com tamanhas proezas – disse Little Ant.
Todos gargalharam; inclusive Straw, levado pelas circunstâncias.
Little Ant não permitiu que a intimidação prejudicasse a segurança de seu discurso. Concentrando-se ainda mais, ela deu asas à imaginação:
– As listras das zebras constroem uma ilusão de ótica que escondem suas asas. É por isso que a maioria de nós não conhece a capacidade que elas têm de voar. Mas elas voam! E por que vocês nunca viram? É porque elas voam apenas enquanto chove forte. Mas vocês se escondem quando chove, não é?
Todos gargalharam ainda mais. E em meio às risadas, a abelha rainha disse:
– Podem ir. A lembrança de tamanha tolice é suficiente para me divertir por longos dias.
– Little Ant, leve aquele graveto ali. Ele será útil para nós – disse Straw apressando-se em ir embora.
Temendo que a rainha pudesse mudar de ideia, Little Ant e Straw não esperaram as abelhas pararem de rir para partirem. Quando já estavam num lugar distante, Straw sugeriu um breve descanso. Little Ant soltou o graveto e dirigiu-se a uma planta, onde começou a cortar pedaços das folhas. Straw, então, começou a aproximar-se do graveto. Mas antes que chegasse até ele, o graveto começou a andar.
– Little Ant, você não pegou o graveto que te pedi, você pegou um bicho-pau! – esbravejou Straw.
– Mas por que você está tão bravo assim? O graveto não vai nos fazer falta – gritou Little Ant, ao longe.
– Eu enchi aquele graveto oco com o mel daquelas abelhas tolas! Mas agora já deve ter virado banquete para os cupins!
– Então você descobriu o que é o mel. Que bom!... Mas você teve coragem de roubar? – criticou Little Ant, já perto de Straw.
Straw conteve sua fúria quando percebeu que o que prendia as asas de Little Ant era uma porção de mel cristalizado. Instintivamente, começou a formular planos maquiavélicos para conseguir apropriar-se do mel.
– Se preciso for, eu até mutilo essa borboleta das asas posteriores douradas – Straw avaliou consigo mesmo.
O percevejo propôs que prosseguissem a jornada. Straw, crendo que seria a última oportunidade de conseguir mel, não quis precipitar-se contando a verdade a Little Ant.

(Wesley Rezende)

As Crônicas de Little Ant: Uma Jornada em Busca de Liberdade — Parte IV

sexta-feira, 30 de setembro de 2011 § 0

Liberto do sonho, e para atender ao pedido de Little Ant, Straw partiu para um breve sobrevoo a fim de conhecer as redondezas. Já nas savanas, ele avistou uma esperança – o que foi possível por causa do contraste entre ela e a casca marrom de um pequeno tronco caído – e decidiu aproximar-se...
– Olá! A senhora por acaso saberia em qual direção está os campos onde posso encontrar zebras?
– Jovem... Eu já vi muitas coisas em minhas migrações, e uma das mais cruéis é obra das zebras. Elas pastam cegamente, ferozmente. Muitos de meus amigos foram mastigados juntos com capim... Sem consideração alguma... Muita crueldade! Você não gostaria de conhecer esses animais... Com certeza não.
– Não se preocupe comigo, eu sou como uma joaninha: engraçado, mas casca dura.
– Por que este interesse pelas zebras, meu filho?
– Olha, eu preciso encontrá-las para ajudar alguém...
– Mas você não parece do tipo que gosta de ajudar as pessoas...
– Olha, não me critique, eu não sou como os efemeropteras que não precisam se alimentar – disse Straw, interrompendo a esperança.
– Hum, imagino que não. Está bem. Siga o caminho dos besouros esquisitos – disse a esperança, apontando para os tais.
– O que a senhora quer em troca da informação?
– Nada, meu filho. Eu simplesmente gosto de ajudar.
Straw agradeceu a ela, timidamente, e partiu meditando sobre as palavras que acabara de ouvir. Encontrou Little Ant caminhando, e então estabeleceram a rota correta. Por causa do enfado da peregrinação, Little Ant pediu a Straw para contar uma distração. Satisfeito com o pedido, Straw instantaneamente iniciou a narrativa:
– Eu conheço um cara: Owlfly. Ele é o cara! Ele é o Owlfly! Um dia eu estava prestes a dormir uma sonequinha da tarde, perto duma lagoa, quando o avistei voando daquele jeito bem típico deles. Ele vinha voando bem baixinho, e embaixo dele havia muitos sapos, mas muitos mesmo! Parece que ele nem os via, eu não sei; ele parecia estar muito distraído. Mas o incrível é que ele, com seu contorcionismo aéreo, conseguia se desviar das línguas mortíferas dos sapos. Fantástico, mesmo! Depois que ele atravessou o brejo, pousou numa sombra para descansar um pouco. Eu não aguentei... Tive que ir até lá para perguntá-lo como ele fazia o que fez. Sabe o que ele me disse? O Owlfly me disse que tinha se aconselhado com um louva-a-deus, e que depois disso todas as coisas começaram a dar certo.
– Ah, não sei, não! Será que um louva-a-deus é tão esperto assim? Talvez se nossa sorte mudasse, mas eu ainda não vi algo do tipo – comentou Little Ant.
Eles interromperam precocemente a conversa após ouvirem um zumbido que se aproximava. Temendo ser a gangue das mutucas novamente, Little Ant e Straw resolveram esconder-se. O suspense encerrou-se quando perceberam que se tratava de uma suntuosa comitiva de uma abelha rainha.
Antes que pudessem decidir fugir ou se manifestarem, Little Ant e Straw foram descobertos por soldados batedores e encaminhados à presença da rainha abelha.
Enquanto a rainha aguardava uma novidade que lhe extinguisse o tédio, apreciava, desmedidamente, mel e geleia real. Essa glutonaria foi abandonada quando noticiaram a ela a captura dos estrangeiros. A rainha ficou entusiasmada com a possibilidade de distrair-se com boas histórias, mas se isso não se concretizasse, já havia um procedimento padrão para um espetáculo de combate entre os intrusos e o carrasco besouro rinoceronte.
Informada previamente dos fatos, e sabendo do grande perigo que corriam, Little Ant resolveu não confiar a tarefa da oratória a Straw, isso por imaginar que a falta de credibilidade do percevejo poderia resultar num fim trágico. 

(Wesley Rezende)

As Crônicas de Little Ant: Uma Jornada em Busca de Liberdade — Parte III

quinta-feira, 29 de setembro de 2011 § 0

Após algum tempo, raios de sol foram refletidos dentro do lugar onde Little Ant e Straw se escondiam. Após isso, eles saíram da abertura timidamente. Naquele momento começaram a ficar extasiados com o cheiro da terra molhada. No céu, perceberam um belo arco-íris, e uma folha solitária que vinha ao longe, acompanhando uma brisa tranquilizadora. Suavemente, a folha pousou bem na frente deles, e logo puderam ver que junto havia uma lagarta mede-palmo.
– Até ela, mesmo sem asas, já conseguiu voar! – disse Little Ant, com muita revolta.
– De onde você veio? – Straw perguntou.
– De uma árvore perto daqui. Fica às margens do rio, depois da curva acima – respondeu a lagarta mede-palmo.
– E por acaso lá teria como atravessarmos o rio... Andando? – Little Ant perguntou, com tom irônico.
– Ah, sim. As árvores dos dois lados do rio são enormes, e as copas delas se encontram sobre ele.
Little Ant mordeu a folha, levantou-a juntamente com a lagarta, e correu para a ponte. Chegando lá, fez a vontade da mede-palmo deixando-a num galho seco, pois ela dizia que já era hora de tornar-se casulo.
Na travessia, Little Ant e Straw puderam alimentar-se com o que sobrava de milhares de cigarrinhas que cobriam os ramos das árvores. Por causa da fartura de alimento daquele lugar, Straw começou a avaliar se valeria a pena continuar a aventura em busca de mel...
– Eu espero te arrumar um rio de mel para retribuir sua companhia – disse Little Ant, animada por finalmente estar conseguindo romper o obstáculo.
Imediatamente as dúvidas de Straw deram lugar para a imaginação de um rio formado por infinitas palavras “mel” em movimento, no qual ele se divertia com saltos ornamentais e mergulhos metafísicos.
– Straw! Straw! – gritava Little Ant, chacoalhando-o.
Lentamente Straw começou a sair daquele transe.
– Straw! Já atravessamos o rio há muito tempo! As árvores estão ficando menores... Estamos chegando nas savanas – insistia com ele, Little Ant.

(Wesley Rezende)

As Crônicas de Little Ant: Uma Jornada em Busca de Liberdade — Parte II

quarta-feira, 28 de setembro de 2011 § 0

Após se apresentarem, Straw quis saber o porquê do nome de Little Ant:
– Mas eu nunca vi formiga tão grande como você...
– Começaram a gritar esse nome quando me viam lá de cima – ela respondeu, entristecendo-se...
– Ah, mas eu conheço uma tesourinha que pode cortar as asinhas dessas engraçadinhas. Há uns cinco dias atrás eu estava para dormir em cima de um tronco caído, quando vi a tal tesourinha sair de uma fenda da madeira, sorrateiramente. Fiquei observando ela subir numa planta e indo em direção a uma flor copo-de-leite virada para baixo... Hum, a flor era vermelha... Ou era lilás? Ah, já estava escuro... Mas sei que a flor era escura! Aí ela chegou bem na pontinha e olhou com muita atenção para baixo. Depois voltou para a fenda, demorou alguns instantes lá, e surgiu novamente com um pedaço de... Não sei o quê... Mas colocou aquilo bem embaixo da flor, e então, retornou a ela. Ficou aguardando lá em cima da flor até que um vaga-lume, que estava rondando por ali, atreveu-se a ir buscar a isca. Quando ele estava lá, deliciando o banquete, a tesourinha engenhosa cortou o pedúnculo da flor e caiu junto com ela sobre o vaga-lume. Acredita que ela conseguiu prendê-lo dentro daquele cone? Pois é, prendeu! E aí desabafou: “Quero ver agora você atrapalhar meu sono com seu pisca-pisca!”.
– Olha! O rio está logo ali – disse Little Ant, esquecendo-se do caso.
– Uau... Como é grande! – Straw observou.
– Mas você não o conhecia? – ela perguntou, decepcionada.
– Não. Nunca viajei por esses lados – ele respondeu, ainda perplexo com o rio.
– Mas você sabe como eu vou atravessá-lo? Ai, ai, ai! Eu já vejo algumas nuvens!
– Nem mesmo o gafanhoto campeão da associação dos saltitantes poderia pulá-lo; o único jeito é voando!
Little Ant começou a ficar nervosa. Inconformada, andava de um lado para outro gesticulando algo incompreensível. Straw, desesperado, desceu o rio com esperança de encontrar um lugar propício para que Little Ant o atravessasse. Como era de se esperar à falta de inteligência dele, quanto mais ele descia, mais se acumulava água no rio, que ficava com o leito ainda mais largo.
Nessa trajetória, Straw encontrou uma mutuca. Ele tentou pedir-lhe informações, mas ela voava freneticamente em sua volta sem dar-lhe atenção. Straw ficou irritado por causa do zumbido ensurdecedor que ela fazia, mas principalmente porque se sentia humilhado com a velocidade daquele voo.  Para se sentir melhor, resolveu fazer piadinhas sobre o fato de ela ter apenas duas asas. A mutuca parou, fez uma careta, e sumiu no horizonte. Por alguns instantes se fez um silêncio apavorante, mas em seguida foi quebrado por um altissonante enxame de mutucas que vinha ao longe. Straw arregalou bem os olhos, percebeu a encrenca na qual se tinha metido, e disparou em direção à grande formiga.
Little Ant já estava tremendo de medo por causa dos ventos que se intensificavam; procurava desesperadamente por um abrigo que lhe livrasse do imaginário perigo das chuvas. Finalmente, avistou um pequeno buraco numa pedra enorme, e calculou ser de tamanho suficiente para adentrá-lo. Quando corria para lá, Little Ant ouviu os gritos de Straw. Olhando para trás, ela avistou também o enxame de mutucas, o que a fez acelerar ainda mais.
Os pingos começaram a cair quando Little Ant estava se espremendo na tentativa de entrar no abrigo, o que se concretizou com a ajuda de uma trombada do medroso Straw. Nesse instante, os céus abriram suas comportas, e despejaram uma chuva forte suficiente para dispersar até a última mutuca.
Ambos ficaram em silêncio dentro do buraco; um imaginando como aquele fenômeno sombrio lhe fazia temer a morte, e o outro, maravilhado por ter-lhe salvo a vida. 

(Wesley Rezende)

As Crônicas de Little Ant: Uma Jornada em Busca de Liberdade — Parte I

terça-feira, 27 de setembro de 2011 § 0

O dia estava quente e não havia nenhuma nuvem no céu. As formigas apressaram-se em sair de seus ninhos. Subiram em árvores buscando os raios de sol, aqueceram seus músculos e começaram a voar... Milhares e milhares de formigas formaram um nevoeiro.
Essas sombras em movimento perturbavam a mente de Little Ant, pois lhe faziam lembrar que ouvira sobre raios e trovões. Estava cada vez mais pensativa sobre a aproximação de fortes torrentes. E disso ela tinha certeza; sentia inexplicavelmente.
De alguma daquelas formigas voadoras, uma voz lhe dirigiu:
– Atravesse o rio, as savanas, e nos campos você poderá encontrar ajuda. Dizem que lá as zebras podem te ensinar a voar.
Little Ant ficou entusiasmada até que, repentinamente, brotou-lhe uma ideia desanimadora:
– Que absurdo! Como as zebras podem voar se não têm asas?
Mas percebendo que ficara sozinha ali, decidiu rumar-se ao rio.
Enquanto descia da árvore, encontrou um percevejo chamado Straw. Ele estava se alimentando da seiva de um broto.  Little Ant imaginou que seria útil ter um companheiro voador em sua jornada, pois evitaria as subidas em lugares altos a fim de observar o horizonte.
– Ei, você não estava por aqui quando eu subi – disse Little Ant, aproximando-se desconfiada.
Straw, que já era todo desengonçado, ficou apavorado por ser menor que Little Ant. Bem atrapalhado, empregou muita força na tentativa desesperada de tirar seu estilete daquele broto, o que acabou lançando-o ao chão quando, finalmente, conseguiu se soltar.
Little Ant teve um impulso de saltar atrás dele, mas, quando olhou para baixo, teve medo da altura. Então rapidamente percorreu a descida.
Ela o encontrou ainda zonzo por causa da queda. Enquanto ele se recompunha do tombo, explicou-lhe a situação:
– Sossega! Eu não vou te fazer mal. Eu tenho que encontrar as zebras voadoras do outro lado do rio. Você poderia me ajudar...
– Ah, sim... Eu já vi muitas zebras voadoras em minhas viagens; você vai encontrá-las – Straw ironizou, ainda tonto.
– Então você conhece do lado de lá do rio... Essa notícia é como mel pr’...
– Mel?! Você conhece mel? – ele a interrompeu euforicamente.
– Hum... Ouvi falar que é maravilhoso. As operárias me contavam histórias sobre formigas corajosas que roubavam mel.
– Uau... Então você pode conseguir mel para mim!... Eu fui enganado! Eu alimentei uma cigarra por dois dias em troca de quase nada de mel. Você sabe o tanto de seiva que uma cigarra suga? É muita coisa! E pra quê? Nem cheguei a conhecer o que é o mel... Ah, mas isso não vai ficar assim, não mesmo! Eu vou...
– Tudo bem! Então você me ajuda? – Little Ant indagou, interrompendo o percevejo irritado.
– Claro que sim! – Straw respondeu, levantando voo em direção ao rio, já não se importando se zebras voadoras existem ou não.
Little Ant apertou o passo para tentar acompanhá-lo. Embora voasse em ziguezagues, Straw ia se afastando. Ela, naquele ritmo acelerado, ia avaliando a situação, em seus pensamentos:
– As operárias estavam certas... Os percevejos são muito esquisitos para voar. Se eu aprendesse com ele seria como um rola-bosta que caminha de costas.
Ainda a tempo de avistá-la, Straw percebeu que Little Ant não tinha alçado voo. Então foi se aproximando com curiosidade. Percebeu que tinha algo estranho na asa da formiga, mas receoso de irritá-la, não fez nenhum comentário. Então se pôs a caminhar também. 

(Wesley Rezende)

Seção Poema — Semana de Letras

terça-feira, 20 de setembro de 2011 § 0

Semana de Letras

Unicamente para a primeira fileira
Está disponível a ciência verdadeira.
Geleiras efetivas formam uma barreira sub-
Umana, com arrogância escapando da focinheira.
Estáticas mentes dos corpos dessa fileira
Germinam a ideia de findar nossa carreira.

Wesley Rezende

Seção Poema — Já Era

§ 0

Já Era

Me passei, com sucesso,
Por inteligente.
Muitas vezes, excelso,
Redargui doutores.

Sempre consciente
Da minha estultícia,
Construí a minha aparência
Com muita astúcia.

Agora sou eu
Redarguido por doutores.
Por muito conviver,
Me tornei inteligente...

Ou eu já era inteligente?
Ou já era a minha imagem?

Já era a minha confiança!
Se investigam minhas ideias,
São doutores do saber
Ou do se fazer.

Wesley Rezende

Seção Poema — Simpósio

quinta-feira, 15 de setembro de 2011 § 0

Simpósio

Numa sala grande e vazia,
Ânsias e azias
Acabam com a magia
Da apresentação que faria.

Agora o esperado
É algo desqualificado
Como ato inapropriado
Para alguém conscientizado:

“Não alimente os macacos.
Tudo que eles precisam
Está na natureza.”

Essa mensagem está colada
Bem atrás da área reservada
Para as pessoas, posicionadas,
Apresentarem suas piadas.

Wesley Rezende

Seção Poema — Rio das Mortes

segunda-feira, 29 de agosto de 2011 § 0

Rio das Mortes

Conheço desde criança as tuas margens.
As noites à luz de estrelas e pirilampos
Ficavam aterrorizantes com as viagens
Fantasiosas à beira de campos indígenas.

Os xavantes, que andavam várias léguas,
Transpunham-te a fim de ganharem frangos...
As matrinchãs que subiam as tuas águas
Alegraram as folgas de tantos domingos...

Quando te conheci já haviam te cortado
Numa mão única de concreto exuberante.
Mas ainda era desconhecido nestes lados
Industrializados que só enxergam montantes.

Ontem a tua beleza se anunciou pelos cantos.
Numa fantástica surpresa pude ver a Cachoeira,
E relembrar muitos de teus saudosos encantos
Capazes de livrarem meus olhos da poeira.

Wesley Rezende